quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sobre o Fim do Mundo

Velho Naza,
nas últimas semanas os noticiários foram dominados por dois assuntos: a crise econômica européia, notadamente quanto à necessidade de um novo "resgate" da Grécia para salvar o Euro; e a crise americana, onde Obama e a Câmara se digladiam e não chegam a um acordo sobre a ampliação do limite do endividamento americano.
Nesse turbilhão foi até engraçado ver num jornal, após aprovação de proposta de empréstimo à Grécia, um economista externando seu alívio com a providência pois, segundo o mesmo, "o mundo não iria resistir" a uma dupla quebra.
Fiquei pensando qual é o mundo desse sujeito; será que ele sai de seu escritório e anda na rua pelo menos uma vez por ano?
Vamos imaginar que é primeiro de abril e, sentado em sua cadeira num megaescritório de um mega fundo numa megalópole, recebe um e-mail de um colega brincalhão relatando que o pior aconteceu: não houve acordo nem em relação à Grécia nem em relação à dívida americana!
A notícia logo corre... pânico generalizado! Os brokers começam a gritar, entrar em colapso, ataques de pânico por toda a parte.  Logo a violência se espalha pelo prédio, saques, confusão, agressões, ataques sexuais, assunções públicas de culpa, velhas rixas resolvidas no tapa, todos os instintos viscerais naturalmente liberados diante do terror do fim iminente de toda a existência. Não tem mais jeito, tudo está perdido, o mundo não resistiu, o mundo acabou! Logo não haverá eletricidade, e a escuridão será total...
E a coisa só piorou... Diante da perspectiva de fim de todo alimento, o canibalismo que veio logo a seguir foi um passo lógico; devoraram-se uns aos outros,  por fim - ironia do destino - só restou de pé nosso economista profeta, ele, que previu que o mundo não iria resistir.
Nada mais resta. O mundo é um amontoado de prédios desertos em paisagem pós-hecatombe, projeção exata dos cenários hollywoodianos dos filmes sobre o fim da civilização. Mas ele não desistirá. São bilhões de acionistas, ops!, habitantes, alguém há de ter sobrevivido. E a ele, na sua condição de "economista sênior", caberá liderar a humanidade - ou o que restou dela - rumo a um novo tempo, em que o mercado será livre de pressões e interferências de pessoas, governos, associações e organizações não-governamentais.
Caminha lentamente para a porta... estará o ar ainda contaminado? Terá a radiação se dissipado? E as subespécies e os contaminados, terão se tornado agressivos diante do fim de todo alimento?
-Não importa!, diz em voz alta. -Tenho tudo de que preciso aqui comigo!, reflete, e segura forte junto ao peito seu Manual da Análise Gráfica e da Análise Fundamentalista do Mercado de Ações. Respira fundo. Não há alternativa. E sai à rua.
...
Logo na saída, uma visão aterradora: dezenas - não, centenas! - de pessoas espalhadas pela rua caminham despreocupadas, como se nada tivesse acontecido. Famílias passeiam pelos parques, onde crianças jogam bola no gramado verde e um casal de adolescentes namora num banquinho, bem ao lado de um velhinho que joga milho aos pombos. Na igreja alguém está se casando, e dois rapazes fazem acrobacias no sinal para os motoristas entediados. Nas maternidades, crianças teimam em nascer. De repente sente tudo girar, a vista embaça, suas pernas fraquejam... Trôpego, caminha desorientado, sem saber o que fazer diante da cegueira das pessoas, que não perceberam que o mundo acabou. Grita a plenos pulmões, anuncia o fim de tudo e, desesperado, sacode pela gola um cidadão desavisado que distraidamente chutava uma latinha pela calçada. Já perdeu a conta de quantos quarteirões caminhou anunciando o fim de tudo diante de insensatos irresponsáveis que teimam em respirar; o sol já vai quase se pondo quando, já além dos limites da cidade, topa com dois matutos jogando truco e usando como tentos bagos de feijão. -Preciso salvá-los, são uns inocentes, não têm ninguém por eles!", balbucia. -Populares, não se desesperem, ainda podemos sobreviver!.
...
-Moço, tudo bem com você?
-Como poderia estar bem se o mundo não resistiu, tudo acabou, não há mais nada!
-Moço, essa pinga que o senhor tomou é da boa... fim do mundo?
-Isso, o fim de tudo, Armagedon, Apocalipse!!!
-Mas como, se está tudo aí?
-Vocês não entendem: o mercado morreu; com o mercado morto, as riquezas pararam de circular; com o fim da circulação das riquezas, tudo perdeu o sentido e ocorreu uma geração em cadeia que destruiu tudo, o mundo não resistiu!
- Uai, mas então o que é que a gente tá fazendo aqui?.
Silêncio sepulcral...
Como se uma luz lhe iluminasse a alma, como se todo o universo se abrisse à sua limitada compreensão humana, como se fosse senhor dos segredos do universo, tudo fica claro.
Tudo fica muito claro:
-Eles estão loucos!
Numa última e desesperada tentativa, berra a plenos pulmões:
-Ignorantes! Eu tenho a prova aqui! Vejam esses gráficos, negativos em milhões de pontos, todas as bolsas do mundo fecharam!Vejam a prova, o mundo acabou!.
Nisso um dos matutos, querendo continuar seu jogo de truco, lança um bago de feijão num pequeno sulco da terra ainda molhada pela chuva do dia anterior, tapa com uma leve camada, olha de lado para o sol que, desrespeitando as leis do mercado, lança seus raios já alaranjados de poente, e diz para o economista:
-Moço, volta daqui a uma semana; se esse feijão não tiver germinado, aí eu começo a acreditar no senhor.
E voltou para seu truco.

Bem, é isso aí. Lanço um desafio, velho Naza: no caso de uma hecatombe nuclear, reduzidas as populações humanas ao escambo, sem eletricidade ou combustível, quem você acha que levaria vantagem na troca, um grupo de europeus com cem mil I-Pads ou um punhado de brasileiros com cem mil sacos de feijão?

Saudações.

Bruno

2 comentários:

  1. Sem dúvida, os feijões seriam mais úteis, Bruno. Os i-pads seriam como lanchas no deserto. Aliás, a situação por você mencionada, de valoração excessiva de algo artificial, remete ao célebre encontro entre Alexandre e Diógenes ("quero que saia da frente do meu Sol!", disse Diógenes ao grande Imperador, ao ser perguntado sobre o que poderia querer dele). Não é mesmo? Nesse sentido, como primeiro "post", a sua escolha foi perfeita.
    Parabéns!
    Um abraço,

    Naza

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  2. Não poderia deixar de lembrar também aquela passagem do Evangelho (Mt 6:26-30), em que Cristo manda olhar os lírios do campo, que não tecem nem fiam, mas são majestosamente vestido pelo Pai. Simplicade, retorno à terra e às atividades manuais, talvez seja esse o melhor futuro.
    Um abraço,

    Naza

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